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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Muitxs não entenderão o Julho de 2013 em Porto Alegre

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
Eduardo Galeano
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Fellipe Madeira

Muitxs não entenderão o que aconteceu na última semana, especificamente, na segunda semana de julho de 2013 em Porto Alegre.

Pra aquelxs que acompanham as notícias através das mídias tradicionais, que acreditam fielmente em interlocutorxs como Paulo Sant'ana, David Coimbra, Lasier Martins, Maria do Carmo, Alexandre Mota, entre outrxs, provavelmente, não conseguirão compreender o que ocorreu na Câmara do Vereadores. Talvez sejam xs mesmxs que "acordaram", no famoso lema "O Gigante Acordou", bradado e cantado aos quatros ventos, até mesmo pelo cantor Latino. Nada contra tais pessoas, pois fomos criadxs e bombardeadxs com a concepção de que os únicos meios de comunicação confiáveis restringiam-se à televisão, ao rádio, ao jornal.

Transcender a esse tipo de visão, essa foi a mensagem daquelxs que permaneceram ocupando a Câmara dos Vereadores de Porto Alegre. 

O Neoliberalismo trouxe consigo muito mais que a miséria ou o decreto do fim da história. Na verdade, tal concepção ideológica estabeleceu que cada pensamento diferente deveria ser caracterizado como errôneo, justamente, as utopias foram consideradas como perniciosas a um mundo totalmente racional. Sim, estávamos "proibidxs" em pensar num mundo melhor, numa sociedade que se diferenciasse, do individualismo predatório, da falta de noção do que é o bem coletivo, do ser enquanto mercadoria, do machismo. O que as pessoas mostraram nessa semana foi a possibilidade de um mundo em que velhas estruturas mais do que podem, devem ser repensadas. 

Muitxs doutorxs em Ciências Humanas tentarão estabelecer critérios, formular teorias, buscar explicações em Bourdieu, Kirchheimer, Marx, Weber, Baudrillard, Foucault, etc... Sim, são autores de extrema importância em nossa ciência, mas o que fica de fato é tentar compreender o sentido do que fora proposto em Porto Alegre.

Além da "simples" constatação política, ou seja, da crítica sobre a Democracia representativa, o Bloco de Lutas, juntamente com todxs xs seus apoiadorxs, construíram uma esfera de poder que estabelecia o diálogo horizontal, uma dinâmica de autogestão, uma relação de liberdade e respeito entre todxs xs que frequentaram o prédio da Câmara. A noção de um mundo melhor passa pelos pequenos atos, pelos micro-poderes, pela preocupação em cuidar do local onde estávamos, na preparação da comida, no respeito a todo o Ser, na valorização da expressão cultural como modo de conscientização política, ou seja, na construção coletiva.


Um bloco formado por anarquistas, socialistas, comunistas (para ver o significado de cada concepção política veja esse post), ou seja, diferentes formas de pensar a crítica sobre o sistema atual unidos sob a causa do transporte público, além de outras demandas sociais como a luta contra a remoção de moradias, educação, etc... Logo, construir um projeto em que pensamentos tão diversos estejam unidos não deve ter sido tarefa fácil. 

Talvez essa experiência já tivesse sido vivenciada por muitxs que estavam por lá. Sinceramente, tinha minhas dúvidas quanto ao funcionamento de tal sistema de organização, principalmente pela noção de autogestão com um número tão expressivo de pessoas (em média circulavam cerca de mil pessoas durante o dia). No entanto, saio com outras concepções de mundo nessa semana, nunca aprendi tanto sobre Política, Sociologia, Antropologia, Literatura, História, Geografia, Direito, quanto nesse período. Na verdade, confesso que aprendi mais do que os 4 anos de ida ao Campus do Vale, da UFRGS; não pela competência (ou não) dxs professorxs, definitivamente não é isso. Falo pela práxis adota naquele local. No entanto, não falo que a Universidade não seja importante, longe disso, apenas comento sobre a relação entre as teorias aprendidas e o bem social, afinal, pra que(m) serve o teu conhecimento?

Não pretendo fazer nenhum trabalho ou produção literária sobre o ocorrido naquele local, apenas um breve relato sobre como podemos sair do status quo em nossa sociedade. Repensar novas possibilidades e trilhar caminhos diferentes aos que estão pré-concebidos, este é o sentido para uma sociedade que vise muito mais a construção da coletividade, ao invés do individualismo predatório e utilitarista.

Visar a coletividade é estabelecer conceitos de construção de uma cidade que vise o bem da sociedade, tendo como plano principal o cidadão, através da preservação dos recursos naturais e bens históricos, trazer o debate sobre mobilidade urbana, discutir aspectos sobre saúde, educação, acesso à moradia digna, a não criminalização dos movimentos sociais, ou seja, ter o cidadão como protagonista e não como coadjuvante dos grandes empreendimentos. 

Os movimentos sociais nunca dormiram, sempre estiveram vigilantes e atuantes quanto à conquista de direitos inerente ao cidadão. Talvez estivéssemos dispersos, porém, mais do que nunca, essa é a hora de avançarmos cada vez mais para uma educação pública e de qualidade, luta que a ONGEP trava há mais de 12 anos, mas também de saúde, transporte, moradia, na luta contra o machismo, contra a internação compulsória, de poder decidir sobre as questões da cidade, e que sejam respeitadas tais decisões (não somente de 2 em 2 anos nas eleições municipais e federais). 

Muitxs não entenderão o que ocorreu em julho de 2013 na cidade de Porto Alegre, talvez critiquem a nudez final dxs manifestantes, algo que deveria servir como iconoclastia de nossa política (sobre isso leia esse post). Porém, a esperança é que este seja apenas início de uma nova compreensão sobre a necessidade de pensarmos a cidade, de mudarmos concepções individualistas do mundo, de buscarmos transparência em nossas ações, do respeito a todo e qualquer Ser. 

A crítica está feita, cabe a todxs digerir e saborear da melhor forma possível o que fora colocado na Câmara dos Vereadores. 

Espero, sinceramente, que muitxs (se não todxs) entendam o que ocorreu em julho de 2013. 

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