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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Alguns “ismos” das Ciências Sociais

por Januário Francisco Megale

Comunismo, epicurismo, estoicismo, cristianismo, historicismo, capitalismo, socialismo, imperialismo, funcionalismo, marxismo, cientificismo etc. são alguns dos inúmeros "ismos" das ciências sociais. O que vem a ser um "ismo"? Há várias acepções, conforme a área ou ramo de conhecimento. Assim, dogmatismo, ceticismo, subjetivismo, relativismo, pragmatismo e criticismo referem-se a posições assumidas ou idéias aceitas sobre a possibilidade do conhecimento. O dogmatismo defende que não existe o problema do conhecimento enquanto relação entre sujeito e objeto. As coisas existem pura e simplesmente, o jeito é acreditar. O ceticismo e o extremo do dogmatismo e afirma que o sujeito não pode apreender o objeto, daí o conhecimento ser impossível. Já o subjetivismo e o relativismo limitam a validade do conhecimento ao sujeito. Toda verdade é relativa, não há verdade absoluta. Para o pragmatismo, o conhecimento ou a verdade significam utilidade, valor, prática. Numa posição diferente, o criticismo admite o conhecimento, mas sob reserva. Não é dogmático nem cético, mas reflexivo e crítico. Para cada um destes “ismos” houve ilustres filósofos com suas obras clássicas. Além destes “ismos” há outros, referentes ainda ao conhecimento, sobre sua origem e sobre sua essência.

Na ciência política, por exemplo, há alguns "ismos" bem gerais e outros mais particulares ou específicos, como por exemplo, colonialismo, imperialismo, comunismo e bonapartismo, chauvinismo, bolchevismo. Afinal, o que vem á ser um "ismo"?

O "ismo" é uma posição filosófica ou científica que sustenta algo sobre uma idéia, um fato, um sistema, uma política, um programa, uma circunstância etc. É uma idéia central a nortear o adepto perante o mundo ou em face de determinadas coisas. É um método ou conjunto de valores, é um principio ou conjunto de princípios explicativos sobre alguma coisa ou algum fato. É uma filosofia ou um modo de ver o mundo ou determinado problema. Há tantas definições de "ismos'" quase quantos "ismos" há. Cada um tem seu contexto histórico em que surge e se desenvolve Ocorre, muitas vezes, que, após passar a ser moda ou um sistema de idéias dominante, o "ismo" cai no ostracismo. Mais tarde, pode ressurgir, como o liberalismo, que após quase cem anos, volta ao cenário das idéias da política econômica de vários países, chegando até nós, com a inauguração no Rio de Janeiro do Instituto Liberal, em 1983, com outros similares em São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e outras capitais. Há ainda os "ismos'" apenas históricos, que tiveram seu tempo e hoje estão ultrapassados, continuando vivos apenas para compor o contexto histórico-social de um passado próximo ou remoto, do qual somos herdeiros como civilização e como cultura.

A inclusão deste capítulo neste roteiro de estudo tem tríplice objetivo. Primeiro, mostrar ao aluno que todo "ismo" é sempre parte de um conjunto, parte de um processo no qual surge e se desenvolve, podendo continuar ou ser substituído. Nada é gratuito nem fortuito na realidade social. O "ismo" tem raízes e se desenvolve sempre vinculado a uma filosofia da história ou a uma explicação pragmática do momento. Quase nunca é resultante só de um fato, mas engloba a realidade como um todo cultural. Segundo, além desta característica totalizante, é oportuno lembrar que nem todo "ismo" surge como resposta antagônica ou como guerra a outro ou a qualquer teoria anterior, embora isto tenha ocorrida. Há "ismos" bipolares, opostos, mas são bem menos numerosos que os outros. Há alguns, que derivados de outros, guardam sua essência, mas diferem na aplicação, no programa, na aceitação teórica ou na posição metodológica. Terceiro, há "ismos" que passam para a história como verdadeiras, piadas ou erros grosseiros, e, pior ainda, se perpetuam em livros didáticos. Cuidado, alerta: são as palavras de ordem diante do cipoal teórico das ciências sociais em tantos livros devorados por mestres e alunos. Na listagem a seguir são mencionados alguns ismos que se encontram nesta situação.

De modo algum esta relação é completa, não temos nada de completo neste roteiro, pois estamos tratando de generalidades, de miscelâneas, com nenhum compromisso com profundidade neste momento. Trata-se apenas de uma primeira aproximação.

 Anarquismo

O termo guarda o sentido etimológico: sem governo. Doutrina que defende uma sociedade livre de todo domínio. Significa libertação de qualquer dominação superior, de ordem ideológica (religião, doutrina política), de ordem política (estrutura de poder hierarquizada, de ordem econômica (propriedade dos meios de produção), de ordem social (classe ou grupo social), sindicato; clube, associação), de ordem jurídica (leis e normas). O sentimento geral pela liberdade individual é transporto para a sociedade e encontra no anarquismo forte aliado. O pensamento anárquico surge no final do século 18, com a obra de William Godwin: Enquiry concerning political justice. A bandeira do anarquismo (recusa da autoridade e da lei) está lançada nesta obra. Dentre os pensadores políticos que abraçaram o anarquismo, temos Proudhon, Bakunin, Malatesta, Stierner, Kro­potkin.

Autoritarismo

 Nas ciências sociais o termo tem dois sentidos: Primeiro, comportamento ou personalidade autoritários, tendo como área de investigação a psicologia. O livro clássico é A personalidade autoritária, de Adorno. Segundo, ideologia ou visão que preconiza os métodos autoritários sobre os liberais. O autoritarismo se aproxima do totalitarismo. Permite práticas liberais conquanto sujeitas ao controle da disciplina e da hierarquia. Emprega algumas medidas excepcionais do totalitarismo mas não seus princípios.

 Bonapartismo

 A expressão tem duplo significado. O primeiro, referente à política interna, com origem em Marx (O dezoito Brumário de Luís Bonaparte), expressa a forma de governo na qual o executivo concentra todo o poder em sua liderança carismática, como representante direto da nação, e árbitro imparcial perante todas as classes. O segundo, no sentido de política externa, tem um componente de expansionismo com duplo objetivo; além da expansão territorial, traz o objetivo de consolidação do regime de governo contra a oposição de grupos radicais. Visa a fortalecer o grupo dominante e enfraquecer os adversários internos. Neste sentido tem sido usado por historiadores alemães, como Meinecke e Fischer, para explicar a política externa da Alemanha guilhermina e nazista. O despotismo do poder bonapartista encontra sua válvula de escape contra pressões internas na política externa.

 Capitalismo

Sistema econômico que se fundamenta em alguns princípios, como:

1) propriedade privada dos bens ou meios de produção;
2) economia de mercado ou livre-câmbio, recusando qualquer limitação ao mercado;
3) utilização da tecnologia sempre renovada na produção;
4) racionalização do direito e da contabilidade em função dos princípios acima;
5) liberdade de trabalho e relações capital-trabalho reguladas pelo mercado;
6) comercialização da economia com vistas ao lucro. O capitalismo defende uma economia livre, não centralmente planificada.

É a liberdade na produção. O Estado não interfere senão para barrar aberrações contra tais princípios. O liberalismo tem sido fortemente vinculado ao capitalismo. Só vigora em países cujo regime pol político é também aberto, livre e democrático. A ética protestante contribui para o avanço do capitalismo através de suas normas de vida, como muito trabalho, pouco consumo, vida simples e muita poupança reinvestida. São muitos os autores clássicos do capitalismo como também os de seus inúmeros subterras. Desde Sombart, Weber, Schumpeter, até Galbraith, Hayek, Myrdal e outros contemporâneos.

Clientelismo

 Com origem na antiga Roma; clientela designava a relação entre indivíduos de status inferior, mas que viviam na comunidade, protegidos pelos chefes de família. Relação de dependência econômica e política entre o chefe e o cliente numa fidelidade recíproca. O clientelismo vigorou de maneira dominante na política brasileira da Velha República (1889-1930), sob o domínio das oligarquias rurais. O livro nacional que bem descreve o clientelismo é Coronelismo, Enxada e Voto, de Vitor Nunes Leal.

 Comunismo

É um regime político e um sistema econômico fundado em alguns princípios, entre os quais citam-se:

1) o trabalho é a única fonte do valor;
2) o capital é um contínuo roubo ao trabalho;
3) o capitalismo é um sistema que leva a sociedade a uma crescente proletarização;
4) o proletariado (classe trabalhadora) conduzirá a sociedade a uma nova forma de regime político e econômico;
5) para garantir e apressar a retórica do proletariado, é necessário e urgente criar a consciência de classe.

Surgiu na Europa no século 19 e tem em Marx, Engels e seus seguidores sua fundamentação teórica bem estruturada. O Manifesto do Partido Comunista é a carta magna do comunismo. Como modo de produção está superado para o futuro. O comunismo primitivo é outra coisa bem diferente, cujos resquícios conhecemos através da antropologia, nas sociedades tribais, ágrafas, primitivas ou selvagens, como nossos índios não-aculturados. Desde Marx e Engels não cessa de crescer os apologistas tanto do capitalismo como do comunismo.

 Determinismo (e Possibilismo)

Há vários determinismos; tratamos aqui do geográfico e, en passant, do econômico. O determinismo econômico é um item ou tópico de importância secundária no conceito de modo de produção e seu componente inseparável de infra-estrutura. Digo de importância secundária porque o determinismo econômico de Marx sofreu diversas interpretações no correr do tempo. Marx não era tão determinista (ou mesmo marxista) como seus intérpretes e seguidores. O determinismo geográfico tem raízes profundas na história. Já Hipócrates (século V a.C.) assinalava em Dos ares, das águas e dos lugares o caráter determinista dos fenômenos físicos sobre o comportamento humano. O mesmo ocorreu com Montesquieu em Do espírito das leis (1848), sobretudo com o clima como fator determinante do caráter do povo.

 “Dê-me o mapa físico de um país, ... que lhe direi, a priori, qual região será relevante na história, não por acidente, mas por necessidade.”

 A afirmação acima, de Victor Cousin retrata bem o significado do determinismo geográfico. Imputado a Ratzel; como grande divulgador desta teoria, o determinismo teve grande divulgação como posição doutrinária da geografia alemã, em oposição à geografia francesa, o que não corresponde à verdade. A leitura de Antropogeografia, de Ratzel, mostra o ledo engano desta tese difundida ainda em livros didáticos. Vidal de la Blache e a geografia francesa surgiram como divulgadores do Possibilismo em oposição ao determinismo geográfico alemão. O possibilismo defende a possibilidade da ação humana sobre o meio físico, sobretudo com o avançar da técnica. Esbarra com a ecologia que combate o crescente rompimento do equilíbrio ecológico. Desde Haeckel e Sorre a ecologia tem sido tema estreitamente ligado à geografia, fazendo parte de sua natureza ou sua essência. A rivalidade entre a França e a Alemanha de então, com a derrota francesa na guerra franco-Prussiana (1870), e a reconhecida superioridade da geografia alemã fizeram com que surgisse esta vinculação do determinismo à geografia alemã e do possibilismo à geografia francesa.

O possibilismo não deve ser confundido com possibilidades (ou oportunidades) de vida – Lebenschancen ou life-chances – tema ligado à mobilidade social, tratado por Weber (Economia e Sociedade, 1922) na área da sociologia.

Outra acepção do possibilismo é a de determinismo cultural, tão divulgado na antropologia do século XIX, a designar o crescimento regular da cultura ou o condicionamento cultural. Os dois clássicos do tema são A antiga sociedade (1877) de Morgan, e A origem da família, da propriedade privada e do Estado (1884) de Engels.

Esquerdismo

O vocábulo tem dupla origem. Primeiro, a palavra skaios (em grego, esquerda). Segundo, no parlamento francês os oposicionistas (jacobinos) ocupavam as cadeiras do lado esquerdo (la gauche). É a posição política que luta por reformas políticas, sociais e econômicas profundas ou por meio de processos violentos, até mesmo da revolução. A esquerda geralmente representa uma força social revolucionária, às vezes reformista; nunca, porém, conservadora ou reacionária contra as quais luta com denodo. O conceito se baseia na simetria espacial. É uma forma simplista de classificar pessoas e regimes políticos. Termo utilizado pela linguagem jornalística, pela linguagem oral, e até mesmo pela linguagem acadêmica, mas com elevado grau de imprecisão. Aqui também há clássicos.

terça-feira, 14 de agosto de 2012